Tuesday, March 13, 2007

Paradoxo

A nova lei do tabaco é, paradoxalmente, o resultado da promoção do mesmo tipo de ideia de liberdade que conduziu a vitória do sim no referendo ao aborto. Uma ideia de liberdade entendida como "o direito de cada um fazer aquilo que quiser, sem que ninguém tenha nada a ver com isso". O que aparentemente parece consensual esconde porém algo muito grave. Esta visão do Homem, essencialmente progressista, e que vai firmando estacas entre nós, esvazia da vida social um projecto comum para a Humanidade. Nega-o. Retira-o do debate. Assume que qualquer quadro moral resulta de uma imposição, sendo por isso mesmo prejudicial.

Destruído porém esse projecto, ou o reconhecimento da sua existência, está aberto o espaço para o nascimento de novas ditaduras: a da mediocridade, a da ciência e a do corpo/beleza. É com base nestas que projectos de lei como estes são aprovados. Mais virão.

4 comments:

Anonymous said...

Não sei se sigo o teu argumento, Renato...
A proibição de fumar, por acaso, suprime o direito de cada um fazer aquilo que quiser porque precisamente reconhece que uma acção específica de um indivíduo (fumador) afecta o bem-estar de outro indivíduo... Ou seja, acho que é o contrário de "na minha barriga mando eu"... Ou seja, temos um quadro moral, um "projecto comum" imposto a todos os elementos que se encontram no mesmo espaço comum...

A proibição de fumar não surge, assim, como um projecto individualista nem fomenta esse espírito ou essa visão do Homem... pelo contrário, afirma o Homem como um elemento de um grupo e cujas acções afectam os restantes elementos do grupo.

Só concordo que o argumento "na minha barriga mando eu" é fraco argumento.

como é que este projecto-lei deriva da "mediocridade, a da ciência e a do corpo/beleza"?

Renato said...

Pois, o paradoxo é exactamente esse. Uma sociedade que promove a liberdade individual conduz a este projecto social que consiste numa ditadura da ciência (neste caso da saúde e do corpo).
A lei que foi aprovada não permite aos donos do restaurante decidirem se estes podem ou não ser de fumadores. Assim sendo, mesmo que todas as pessoas concordem fumar, tal não será permitido por causa da lei. Este é o paradoxo. Se cada um deveria poder fazer o que quer, como conseguir explicar que exista esta "ditadura"?
Não argumentei sequer no post. Mas acredito que esta surge como resultado da luta por esta ideia de liberdade e que tem consistido na eliminação do quadro moral existente, fortemente influenciado pela cultura cristã. Esta nova sociedade progressista, que se quer laica (eu também quero), não reconhece a existência de um projecto para o Homem fundado na espiritualidade. Tenta assim miná-lo a todo o custo. Porém, ao fazer isto abre espaço para novas ditaduras. Ao não reconhecer a existência deste projecto, ganha força esta visão puramente materialista e científica do Homem. Acabada a espiritualidade resta a ciência e o corpo.

É esta a minha proposta de explicação para este fenómeno que faz com que numa sala composta por fumadores não se possa fumar. Tal só é possível por esta legitimização da ciência, uma espécie de nova religião do corpo e da saúde que permite ao legislador salvar-nos de nós próprios. Esta nova religião resulta do aparente esvaziamento moral da sociedade, que se pretende atingir com a defesa mais ou menos indiscriminada deste tipo de liberdade.
É claro que estou a sobrevalorizar esta questão, quem quiser fumar ainda o pode fazer. Mas isto parece-me um sintoma de algo mais grave que ainda está por vir.

Anonymous said...

Ok, já percebi melhor... Escreves bem, pá!

A continuação pede uma imperial, para não massacrar muito as teclas do computador, boa?

Anonymous said...

Finalmente percebi a critica a lei do tabaco ;) que ainda nao tinha percebido quando explicaste oralmente.

Obgd