Monday, August 13, 2007

Aborrecimento ateu

O problema do sofrimento é monopólio cristão. Não o sofrimento propriamente dito, esse também abunda entre as mais felizes casas ateias.

Porém, para que o sofrimento seja em si um problema, deverá existir uma realidade que pressuponha a sua inexistência; por alguma razão sofro quando isso não é, afinal, suposto acontecer.
Enquanto no cristianismo a causa última de todas as coisas é um Deus infinitamente bom e omnipotente, na perspectiva ateia nada existe que pressuponha uma realidade diferente daquela em que se vive. O mundo, aliás, existe em dor, do nascimento à morte, das mais simples às mais complexas formas de vida; em dor se nasce, em dor se cresce em dor se morre. Ainda que à partida o mundo não deva ser bom nem mau, a vivência diária revela a dor não apenas como realidade inegável, mas como constituinte do próprio viver. Assim, enquanto o cristão poderá perguntar até que ponto o seu sofrimento é compatível com a existência de um Deus que o ama, para o ateu não existe tal possibilidade, a dor existe, fim de conversa.

Ao ateu diagnosticada uma qualquer doença incurável não existe grande sentido em perguntas do tipo “porquê eu?”, ou para grandes exclamações como, “isto é injusto!”. Tudo é resultado do funcionamento mecânico do mundo em que vive. As suas células já não estão a fazer bem o seu trabalho, tudo a isto se resume. Ponto final. Ao ateu não cabe preocupar-se com a razão do seu sofrimento, ela não existe. Resta-lhe apenas consolar-se com o azar que teve.

Ser ateu é por isso aborrecido, não tanto pelo peso que assume a dor, porque esse bate-nos a todos, mas porque as perguntas mais giras desaparecem. Torna o mundo mais pequenino.

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